AMARELO DE FOME
VERDE DE MEDO
500 e tantos anos de colônia
Segunda edição, 2011.
ANOS VERDE - AMARELADOS.
Volto
aos anos sessenta.
Sopravam
ventos de liberdade. Milhares de jovens se uniam e marchavam juntos para
denunciar as mazelas do individualismo competitivo e bélico do sistema
capitalista. Caminhando e cantando eles queriam paz, e queriam amor.
Enquanto
isso acontecia nas ruas de São Francisco e de toda a Califórnia, nos gabinetes
de Wall Street banqueiros judeus tramavam um golpe de estado para derrubar o
presidente John Kennedy, porque ele iria acabar com as duas mais lucrativas
guerras dos banqueiros: a guerra dos Estados Unidos contra o povo do Vietnam e
a guerra deles no Federal Reserve contra o povo e a economia dos Estados
Unidos.
No dia 22 de novembro de 1963, o presidente John
Kennedy foi assassinado e logo depois o seu irmão e provável sucessor Robert
Kennedy. E nada foi apurado sobre esse golpe de estado dado com muita
competência, porque haverá sempre um politico de fachada “governando” o país
“democrático” de fachada e os banqueiros, como sempre continuarão mandando em
quem governa.
A nova política de estado dos banqueiros judeus nos Estados
Unidos escolheu o Brasil para ser a primeira vítima no novo terrorismo do
capital,
Em primeiro de abril de 1964, usando o dinheiro, o serviço
secreto e o aparato militar norte americano, os banqueiros judeus derrubaram o
presidente João Goulart, eleito pelo voto popular, livre, direto e universal,
que havia acabado de sancionar a lei votada no Congresso Nacional, que
controlava a remessa de lucros para o exterior e começava a implantar a reforma
agrária, a reforma política e outras reformas estruturais de base, essenciais
ao desenvolvimento e autodeterminação do Brasil.
Manipulando as forças armadas brasileiras, para torturar e
assassinar os heróis insurgentes do país, Washington impôs o fim de qualquer
compromisso social, econômico e cultural do Brasil com a sua população.
Isso
nos faz lembrar que o Brasil veio ao mundo para ser colônia. Desde a primeira invasão
estrangeira, há quinhentos e poucos anos, segue o seu destino de vassalo,
servindo a diversas nações imperialistas.
País
acorrentado no atraso, o progresso escrito em seu auriverde pendão sem
esperança, nunca chegou ao cobiçado pedaço de terra brasileira.
Contra
esse fatalismo da espoliação, não foi suficiente a vontade e o sacrifício de
Tiradentes, de Brizola e de João Goulart. Sempre um ambicioso político,
submisso aos interesses imperialistas de outras nações, ocupará a presidência
da república, ou um general capacho - a serviço de alguma ordem estrangeira -
fará as vezes de capitão do mato dos ricos senhores da plutocracia global.
Foi
assim, é assim e assim será.
Volto
ao ano 1964.
Logo
após golpe militar de primeiro de abril, cumprindo ordens superiores, a
ditadura militar permitiu que fosse burlada a nova lei de remessa de lucros, com
simulacros de operações de credito no exterior, transformando operações
legalmente restritas de remessa de lucros em livre pagamento de juros da dívida
externa, afundando o país em empréstimos, que fizeram a fortuna repentina de
empresários, de políticos propineiros e de oligarcas provincianos.
Essa
manobra entreguista, aumentou a concentração de renda no país, instituiu a
demissão imotivada, provocou desemprego em massa, arrochou salários, levou o
povo à miséria, para aumentar ainda mais o lucro e o poder das grandes
corporações estrangeiras e elevar a dívida externa brasileira de 3 para 150
bilhões de dólares, em menos de 10 anos.
O
povo brasileiro tem memória curta, como deve ser a memória de todo povo
colonizado que se preze. E, como todo povo colonizado que se preza, o povo
brasileiro tem a cara e a cor de sua bandeira:
amarelo de fome
verde de medo.
Volto
ao ano 64, revivendo em versos o que vi e vivi, em memória de todos que lutaram
contra a ditadura militar do capital estrangeiro e deram suas vidas por um
sonho, como lutaram, sonharam e morreram Brizola, Goulart, Marighela, Lamarca,
Tiradentes e todos os outros mártires da resistência à espoliação do povo
brasileiro.
Itaparica,
1º de maio de 1994.
DEDICATÓRIA.
Depois
de tanto tempo
com
você
eu
mudei tanto.
meu
coração sem nada
no
coração
foi
parar no bucho.
o
amor
eu
não sei do amor
a
cada encontro.
a
cabeça cheia de ansiedade
dentro
do peito vazio
desce
pelo pescoço
que
se encolhe de agonia.
o
que digo
não
significa nada;
significa
nada não.
o
sangue
que
corre em minhas veias
é
o sangue de meu irmão
o
mesmo sangue grudado na sua mão.
valerá
a pena
você
me ameaçar
com
tortura e prisão?
Valerá
a pena
você
atacar
minhas
palavras inócuas
com
o seu canhão?
a
você
com
o amor
que
eu tinha no coração.
AMARELO DE FOME
VERDE DE MEDO
Viver, de 1500 para cá.
“Líbranos de aquel que nos
domina en la miséria
tráenos tu reino de justicia
e igualdad
sopla como el viento
la flor de la quebrada
limpia como el fuego el cañon
de tu fusil
hágase por fin tu voluntad aqui en la
tierra
danos tu fuerza y tu valor al
combatir
sopla como el viento la flor
de la quebrada
limpia como el fuego el cañon
de tu fusil”
V. JARA.
1
Pelo
leito de um rio seco
como
estrada que afundou
de
tanto se passar
prosseguiremos
sem paz
a
nossa marcha
todos
iguais como inimigos
e
unidos como animais.
2
Não
posso usar a linguagem articulada
nem
o polegar oponível aos outros dedos
acompanho
o que sou em pensamentos
lembranças
de mim, coisas assim
e
meus segredos.
Sou
a pedra presa à sua calçada
sou
estrada
você
pisa e passa
eu
permaneço
estrada
em
meus segredos.
3
Nem
luz nem vento
no
ar todo escuro.
Os
movimentos de sombras no silêncio
lembram
pessoas correndo
em
noite que não passa.
o
que existe dentro de mim
é
uma ideia de frio
um
frio permanente
na
noite que não passa
e
a cama molhada de suor.
4
Passo
a passo
afundo
o passo
e
furo o chão
e
na linha sinuosa
de
meus passos
vou
tecendo a vida
bordando
furos pelo chão.
Seguindo
acostumado
eu
creio e crio
por
acaso
o
tecelão.
Faço
a vida
e
faço a morte
a
vida feita
a
minha vida feita
e
recriada
a
vida à morte costurada
e
minha vida,
como
pássaros em revoada,
segue
os meus passos
sobre
furos bordados pelo chão.
5
O
medo
é
a morte
que
não existe
nem
existiria.
Ninguém
vive
nem
morre
a
morte
que
o medo fantasia.
6
Não
temas inimigos
que
não temos
Nesses
dias de verão
deixe
o vento do mar
invadir
a nossa sesta
deixe
a porta aberta
os
pobres comerão restos de nossa comida
assassinos
atravessam portas fechadas.
ATO INSTITUCIONAL NÚMERO CINCO.
de 13 de dezembro de 1968.
Art.1
- São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições
estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional.
Art.2
- O Presidente da República poderá
decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das
Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só
voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
Parágrafo primeiro. Decretado o recesso
parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em
todas as matérias e exercer as atribuições previstas na Constituição ou na Lei
Orgânica dos Municípios.
Parágrafo
segundo. Durante o período de recesso, os Senadores, os Deputados federais,
estaduais e os vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios.
Parágrafo
terceiro. Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e
orçamentária dos municípios que não possuam Tribunal de Contas, será exercida
pelo respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento
das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores
públicos.
Art.3
- O Presidente da República, no
interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem
as limitações previstas na Constituição.
Parágrafo
único. Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente
da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam,
respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas,
vencimentos e vantagens fixados em lei.
Art. 4 - No
interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o
Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição,
poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10
anos, cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
Parágrafo
único. Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais que tiverem
seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o “quorum”
parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.
Art.5
- A suspensão dos direitos políticos,
com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:
I – cessação de privilégio de foro por
prerrogativa de função;
II - suspensão do direito de votar
e ser votado nas eleições sindicais;
III - proibição de atividades ou
manifestação sobre assunto de natureza política;
IV - aplicação, quando necessária, das
seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar
determinados lugares;
c) domicílio determinado.
Parágrafo
primeiro. O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar
restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros
direitos públicos ou privados.
Parágrafo
segundo. As medidas de segurança, de que trata o item IV deste artigo, serão
aplicadas pelo Ministro da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder
Judiciário.
Art.6
- Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade,
inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo
certo.
Parágrafo
primeiro. O Presidente da República poderá, mediante decreto, demitir, remover,
aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas
neste artigo, assim como empregados de autarquias, empresas públicas ou sociedades
de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares
ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os
vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
Parágrafo
segundo. O disposto neste artigo e seu parágrafo primeiro aplica-se, também,
nos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
Art.7
- O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição,
poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.
Art.8 - O
Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens
de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou
função pública, inclusive autarquias, empresas públicas e sociedades de
economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Parágrafo
único. Provada a legitimidade da aquisição dos bens, far-se-á sua restituição.
Art.9
- O Presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução
deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução,
as medidas previstas nas alíneas “d” e “e” do parágrafo segundo do artigo 152
da Constituição.
Art.10
- Fica suspensa a garantia de “habeas corpus”, nos casos de crimes políticos,
contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Art.11
- Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo
com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos
efeitos.
Art.12
- O presente Ato Institucional entrar em vigor nesta data, revogadas as
disposições em contrário.
SIGNATÁRIOS DO AI-5: Arthur da Costa e
Silva; Luis Antonio da Gama e Silva; Augusto Hamann Rademaker Grunewald;
Aurélio Lira Tavares; José de Magalhães Pinto; Antonio Delfim Neto; Mário David
Andreazza; Ivo Arzua Pereira; Tarso Dutra; Jarbas G. Passarinho; Márcio de
Souza Melo; Leonel Miranda; José Costa Cavalcanti; Edmundo de Macedo Soares;
Hélio Beltrão; Afonso de Albuquerque Lima e Carlos Furtado de Simas.
- QUE A ETERNIDADE NÃO SEJA UM DOI-CODI
PARA SUAS ALMAS.
7
A
I - 5
Vendo
cair
sem nosso apoio e sem defesa
pela
tortura, pela bala
e
pelas palavras do artigo quarto
homens
sobre
os quais não pesam suspeitas
ou
provas de delito contra nós
mas
o pendão surrado e esquecido
da
honra e da coragem
e
vendo crescer impunes
sem
vergonha e sem bandeira
os
vendilhões do povo e da pátria
que
a pátria abriga em seus canhões
e
na letra morta do artigo oitavo
sigo
o povo acovardado
e
vou pisado
mas
consolado
não
em ser aflito
e
por estar faminto
mas
por ser hoje
apenas
um em cinco
um
opositor
um
irresponsável
um
contestador apaixonado por versos
e
poeta
de
má fé, má fama e mesmo assunto
um
profeta condenado a guerrilheiro.
8
LAMARCA
Meu
cachorro valente se chama Lamarca
porque
padre, pastor, igreja, senhor
pátria,
cruz, pires, medeiros
magalhães,
sarney, maluf, dinheiro
dau,
golbery, banco, banqueiro
e
força armada
significam
nada.
E
Lamarca é um som imaginário
como
grito de vida de pássaros
que
atravessam nuvens
e
sobrevoam os mares.
E
eu só tenho coragem
para
lembrar Lamarca
e
para chorar Lamarca
e
para gritar
L A M
A R C A
que
viveu e morreu lutando
porque
eu me fiz
e
fui feito cachorro covarde
por
coisas e nomes
que
significam nada.
9
VLADO
Você
diz
que
eu sou das trevas
mas
a luz
que
você acende contra os meus olhos
ilumina
meu rosto
clareia
meu caminho
os
choques que recebo
aumentam
minha energia
dentro
de mim
queima
um facho imune:
a
minha alma que pulsa
como
uma tocha ardente
ofuscante
como
um clarão nos olhos
iluminante
como
a luz do dia.
São Paulo, 1975.
10 MARIGHELLA.
(Mateus, 10,34-36)
Não
venho trazer a paz
a
paz que se traz eu não tenho
venho
com minha espada
encontrar
povo guerreiro
separar
toda família
incendiar
o mundo inteiro
para
fazer tudo de novo
um
mundo sem ódio, sem guerra
sem
donos de gente e de terra
sem
escravos e sem patrão
onde
viver seja o caminho
de
trocar nosso carinho
seguindo
em união
com
um Deus que seja amigo
com
perdão e sem castigo
e
que a ninguém falte abrigo
nem
trabalho, nem chão.
venho
com minha espada
e
com toda nossa razão
tirar
o rico da cama
separar
o pobre da lama
e
o medo do coração.
Não
tenho medo da luta
por
maior que seja o perigo
no
perigo tenho cuidado
medo
não anda comigo.
E
quando a morte chegar
vai
me achar bem acordado
ou
dormindo já descansado
depois
de muito lutar
mas
nunca vai me encontrar
calado
para injustiça
sofrendo
de solidão
ou
de olhos arregalados
cabelos
bem penteados
morrendo
por um tostão.
Não
tenho medo da morte
maior
do que a morte é a vida
pior
é viver explorado
uma
vida inútil e sofrida.
11
Eu
te trago
amigo
o
que tenho
e
o que sou
comigo
o
derradeiro nada
que
escapa
ao
meu sentido.
12
O
poder do mar
é
a própria força
o
poder dos fortes
é
como o mar
que
destrói conforme o vento
o
poder dos justos
é
como o sol
que
ilumina, aquece e brilha
acima
das tempestades
além
da noite escura
e
é estrela
na
noite de outros mundos
o
poder dos fracos
é
a força armada
é
o estampido mortal de um fuzil.
13 OREMOS
Obrigado
Senhor
ou
qualquer outro divino valor
a
que se deva agradecer
por
eu não ter emprego
nem
ter sossego
e
por eu ser
pobre
faminto
e
bêbado
e
ser
o
trapo
que
a polícia suja
e
o poder explora.
obrigado
por
eu ser negro
e
alvo
da
cobiça
Obrigado
Senhor
por
eu ser igual a tantos
obrigado
enfim
por
todos nós
esses
vossos tantos
que
apenas fomos condenados
por
vós
a
vir a ser
os
miseráveis
o
que já somos.
14
Que
minha mão
desarmada
receba
esta hóstia
que
meu coração
prisioneiro
abrigue
seu Cristo
que
minha mão
abençoada
encontre
meu peito
e
liberte meu lado sem coração.
15
Ave
Maria
mãe
de pecadores
escrava
de opressores
refúgio
dos oprimidos
rogai
por nós
porque
nossas palavras
ameaçam
a fúria dos canhões
e
nossos corpos
são
vulneráveis ao cativeiro
rogai
por nós agora
e
na hora da morte
ensina-nos
a morrer
Ave
Maria
cheia
de graça
dai
à nossa vida inacabada
o
mesmo fim de prece interrompida
vida
e prece proibidas
e
reprimidas por nós
no
amém
a
tudo.
16
Tenho
fome
nada
mais eu tenho
para
sobreviver
só
me resta entregar
o
que tenho como meu
mas
não alcanço
não
sustento
nem
mereço
ao
primeiro demônio
interessado
ofereço
minha
alma
por
qualquer preço.
17
Pelo
sinal
da
Santa Cruz
ficai
em nós
Deus
nosso
Senhor
e
em nossos inimigos.
“O
que falta ao Brasil é a violência popular de base, que prenuncia as mudanças em
um país”.
LINA BO
BARDI
18
ARAGUAIA
Trazendo
comigo
fatos
e
antepassados esquecidos
venho
só
com
meus fantasmas
entre
mim e a eternidade
a
vida e a morte
ungidas
na mesma sorte
vêm
comigo
As
estradas enfeitadas
e
construídas
de
cadáveres putrefeitos
corpos
jovens e velhos
já
desfeitos
modificando
o sabor
e
o aroma
dos
velhos campos calcinados
que
eu engolia.
Se
ao menos a juventude
tivesse
sido fuzilada num jardim
as
flores receberiam de bom grado
todo
aquele esterco humano
e
seu perfume ameno
viveria
daquele sabor profano
que
eu cuspia
Se
eu pudesse ser urubu
não
fingiria ser o que não sou
seria
em meu corpo minha cor verdadeira
e
faria das entranhas
satisfeito
o
sepulcro temporário
e
imperfeito
desses
homens condenados ao destino
que
o meu medo lhes reservou
e
como a vida se repete
depois
de mim
soldados
passarão marchando
e
fuzilando
a
cada instante pelo chão
excrementos
de urubu
que
sorrirão.
19
Seja
como eu
um
ateu cívico
não
acredite em reinos
nem
em monarcas
com
ou sem soberania
não
acredite em ministros
em
políticos
tecnocratas
nem
em índices de governo
mas
reaja com simpatia
Seja
um discreto
violador
de
hinos e bandeiras
cante
samba nas paradas
faça
carnaval a vida inteira.
E
se você for dado
ao
cheiro de uma fruta
e
gosta de esfregar
o
aroma em suas narinas
faça
sempre isso em casa
como
se estivesse
ao
pé da árvore
na
beirada de um regato
ao
sabor da brisa
sibilante
ou
murmurante
como
na linguagem
dos
regatos
de
poesia
Ou
seja bem ousado
imagine
tudo isso
plantado
em terra sua
(e
não na do cigarro)
Isso
tudo
para
não ficar por aí
curtindo
o sabor das coisas
num
tremendo cercado de cimento
sob
a pressão
dos
apelos
de
mendigos
de
políticos
de
anúncios
e
de letreiros
e
do barulho
das
boiadas mecânicas
em
atravancado estouro
rotineiro
Eu
sou assim
não
me arrependo
Vivo
e encaro
minha
miséria
com
profético desdém
faça
isso você também.
Não
viva como os crédulos
uma
vida angustiada
expelindo
do bucho
um
hálito azedo de azia e álcool.
Faça
como eu
conserve
em sua boca
um
odor saudável
e
com seu sorriso mais sincero
ofereça
sem
receio
beijos
à sua mulher
no
sabor inquestionável
inconfundível
imperial
do
mais puro e genuíno
creme
dental
multinacional
que
solta
tinta
da rosca
e
suja a pasta
de
preto.
20 HOMO SAPIENS ?
Sábio
é o boi
que
vai do pé ao topo
a
serra inteira
sem
subir ladeira
Besta
é o povo
que
arma o estado
o
governo e o soldado
a
soldo estrangeiro
e
se desarma
por
inteiro.
21
Quando
nosso rosto abatido
se
encontrar
no
caminho de volta
de
um dia acabado
e
do outro lado da rua
carros
acesos
piscando
freando
batendo
gemendo
passarem
caudalosos
e
vazios
como
um rio de sombras
sorria
você
verá
todos
estarão comportados
ninguém
gritará a dor reprimida
a
sofridão controlada
seremos
apenas
passageiros
cansados
Nosso
viver assim
disfarçados
de gente
nos
sustenta
e
estamos de pé
não
importa
o
quanto nos custa o cansaço
nem
valemos
o
que nos rende o cansaço
pela
razão que nos falta
sorria
nesse
ônibus apinhado de gente sombria
nesse
peso de tédio e agonia
preciso
morrer esse trapo
para
poder renascer o que sou
em
você
num
derradeiro instante
de
paz e pecado
sorria.
22
Hoje
morreu um homem
na
Praça da República
aposentado
nome
idade
endereço
ignorado
tudo
anotado
no
formulário
da
polícia.
cobriram
o corpo com jornal.
hoje
morreu um homem
na
Praça da República
como
morreria a pátria soberana
se
fosse viva
e
fosse povo
ou
se não fosse fantasia.
23
O
consumo febril
consome
o
nome
e
o rumo.
a
inflação
essa
louca irmã
do
lucro fácil
e
a gula
engolem
o mísero salário
e
o ócio
do
operário.
a
honra morta
a
seca na horta
comem
o plantio.
o
enfermo fede
ferve
se
agita
e
salta no vazio.
Sobressalto
!
temores
!
nas
ideias e nas palavras
há
suspeitas de ciladas
s u b v e r s ã o
a
força armada
teme
a
própria espada
treme
ao
golpear o nada.
o
cordeiro muda
a
cena muda
a
vontade faz
um
homem novo
letargo
povo
cordeiro
nunca mais.
24
VELÓRIO
Rondam
a morte as formigas
as
moscas bebem orvalho
na
flor que foi colhida de manhã.
diante
do cadáver rígido
no
instante
em
que a vida sintetiza o raio de sol
(que
invade a penumbra por uma fresta)
e
faz brilhar uma gota de orvalho
na
flor que foi colhida de manhã
eu
conclamo
intimamente
o
vozerio e o converseiro
a
um perdão e a um louvor
perdão
para esse tempo escuro, natimorto
e
louvor aos combatentes mortos nesse tempo.
PS.
Anistia é para combatentes.
Torturador não é combatente.
Torturador é covarde.
Lugar de torturador é na cadeia.
25
LAVRAS DIAMANTINAS
“Dizem
que,
em alguma parte,
parece que
no Brasil
existe
um homem
feliz.”
V. Maiacovski.
De
onde vêm vocês que trazem a guerra ?
do
onde vêm vocês
homens
que
invadem a paz de nossa terra ?
de
onde vêm vocês
com
mísseis atômicos
dragas,
caminhões e escavadeiras ?
de
onde vêm vocês
que
compram o voto de senadores e deputados
e
compram a proteção dos fuzis
de
nossos soldados ?
e
de onde é esse frio molhado
que
meus olhos negros derramam
em
seus olhos azuis ?
de
onde vêm vocês
homens
estrangeiros
ferindo
o chão de nossa casa
para
arrancar do leito do rio
e
do alto da serra
a
riqueza que a vida
guardou
no coração da terra ?
Para
onde vão vocês
com
nossa riqueza
e
com tanto sangue arrancado
de
nossas feridas
nas
feridas da serra ?
DE VENTO EM PROA
Conviver, de 1500 para cá
Minha terra - mãe, minha pátria
“teu nome ousei cantar
perdoa, ó musa,
perdoa o teu cantor
dignos de ti não são os
meus frouxos hinos
mas são
hinos de amor.”
Alexandre Herculano.
26
Sonho
livre
e lento
ando
alegre
sopra
o vento
Sonho
nessa
direção incerta
tudo
é novo
é
lindo o novo
que
desconheço.
27
Embarquei
numa
estrela
em
ascensão
queimei
a
mim mesmo
de
ilusão
mas
naveguei
pelo
espaço enfim
astronauta
de mim
naveguei
naveguei
vagando
naveguei
navegando
sem
parar
eu
ando
sem
chegar a tempo.
28
O
espírito de tudo
abandona
o tempo
e
vai sonhar a estratosfera
os
fatos de agora
são
um conjunto vazio
para
o poder armado
ser
o incerto crítico do passado
o
tirano do superado
o
superego no cio.
29
Há
paz nos campos inundados
e
nos desertos
nos
braços retorcidos da caatinga
e
há paz nos formigueiros
cevados
para o inverno.
No
rosto dos homens calados
no
caminhar dos retirantes
no
silêncio do boiadeiro
nos
operários
nos
pequenos empresários
na
mesa ociosa
na
barriga vazia
há
apatia.
Um
dia
haverá
união
no
coração dos homens calados
na
volta dos retirantes
na
marcha dos operários
no
galope dos boiadeiros
e
paz
nos
campos redimidos
e
nos braços entrelaçados
em
abraços na caatinga.
30
A FOME
Santa
Maria da Vitória
a
noite calma tece
sobre
as águas escuras do seu rio Corrente
um
manto negro, transparente
onde
se alongam as luzes derramadas das ruas,
das
praças e das casas adormecidas no silêncio.
as
luzes estendidas sobre seu manto negro
são
caminhos acesos
flutuando
imóveis sobre águas que caminham,
caminhos
flutuantes, acesos,
todos
na direção de meus pés,
mergulhados
na beira de seu manto.
Esquecidos
à margem do seu rio
meninos
engraxates descansam.
Num
instante
pequeninas
mãos se elevam
suplicantes
amigas
e
recebem todas elas
migalhas
do pão repartido
pelo
menino que chega
com
um pedaço de pão
crucificados
no nosso abandono
comungando
migalhas do pão repartido,
na
sonoridade farta de fome e alegria,
crianças
prolongam
na
conversa mastigada
a
primeira refeição daquele dia.
31
A MORTE DE LAMPIÃO
Evém no céu a barra do dia evém
Evém no céu A barra do dia evém
Barra
do dia
não
é barra de saia
barra
de saia é borda
é
beira dobrada no fim
a
barra do dia
é
a luz que me acorda
do
medo que sinto de mim.
Barra
do dia
não
é barra de praia
barra
de praia é ribeira
é
beirada aberta
na
beira do mar
embaixo
da pirambeira
é
porta de entrada
é
porteira
a
barra do dia
é
luz espalhada
na
beira de mim
no
céu da manhã
a
barra do dia
é
começo e é fim
e
o fim
é
um dia
de
luminosa brandura
um
sol espelhado na sorte
aurora
da hora da morte
o
apogeu de toda loucura
e
a morte
é
um outro sentido
é
a porta fechada
que
a gente atravessa
para
ver uma vez
o
sertão
molhado
e florido
florido
de saudade
num
dia que não tem fim
do
chão brotando justiça
e
das flores liberdade.
(com ajuda de Bráulio Villares Barral)
32
Para
os afortunados
há
o trabalho sem fruto
e
a vontade oca de continuar vivendo
Esse
viver que nos dá vontade
é
adiar
dia-a-dia
a
morte
pela
fome
pelo
tempo
pela
bala
ou
pela prisão
que
nos espreita e espera.
33
Desgovernados
na miséria
nós
os
mendigos deste país
somos
gente da dor
temos
a dor que ficou
e
cantamos pelos que morrem
temos
a nossa dor
e
sorrimos para os que cantam
dor
ainda temos
e
teremos
bem
sabemos
e
sorriremos
e
cantaremos
e
seremos cada vez mais
34 INFLAÇÃO
é
tanto tomate
que
o molho descongelado
comeu
com coentro
o
pirão expurgado
de
nossa panela.
olhe
o rato
feche
a porta
abra
a janela
salve
o vento
e
o sol
viva
a favela !
35
Velha
maltrapilha
faminto
alimento de formigas
Fale-me
de
uma terra
rica,
enorme e soberana
e
de um povo
que
não seja pobre
reinando
sobre essa terra.
Fale-me
de leis
que
aplaquem
o
ódio
e
de justiça
que
não tenha dono.
Fale-me
de um povo
que
ria
que
cante e dance
como
o meu
e
que não seja condenado
a
viver como indigente.
Fale-me
de uma terra
onde
a dor
só
exista no presente.
Eu
quero falar a palavra
liberdade
e
ouvir
sem
sentir a força
de
um nó
atado
à ideia
pesando
sobre a palavra
(que
precisa soar leve,
livre
e sonora,
como
se tivesse sentido)
Ensina-me
a
música desse povo.
Eu
não quero ser só escravo irmão
de
um povo escravo.
Fale-me
de
uma terra
rica,
enorme e soberana
e
de um povo que não seja pobre
reinando
sobre essa terra.
Eu
quero cantar o hino desse povo.
Eu
quero ser povo nessa terra.
17.07.74
36
Infelizmente
todos
os empresários
estrangeiros
falam
influentemente
um
português.
37
O
índio colonizado
faz
o batom importado
que
pinta a cara sem rosto
do
guerreiro maquiado
nas
caras lavadas
pinta
anemia
nas
caras pintadas
barriga
vazia.
a
lança afiada do colono
cara
rosada
não
é partida
e
corta o peito aberto
do
índio campado.
Guerreiros
sem luta
sem
voto, sem meta
índio
coitado !
38
A
espera
nasceu
num banco de repartição pública
é
velha e usada
como
um processo antigo
não
prescrito
a
espera vive em nós
e
nos deixa o íntimo
como
uma prece
para
ser absoluta numa fila de banco
ou
do INPS
onde
ela é breve ou longa
como
toda espera
e
é silenciosa
confusa
ou ruidosa
(pode
ser até anarquista)
ameaça,
mas amansa
amansa
como dor de barriga
em
barriga de branco
sem
papel e sem banheiro.
A
espera não faz justiça.
justiça
faz quem não espera
e
caga sem latrina e sem papel
e
sem medo de se limpar com o dedo.
39
Não
não
me dê a mão com palavras
deixe
que nossas mãos
se
encontrem
se
conheçam
se
afaguem
para
quando
nossas
ideias opostas
em
nossa voz se encontrarem
palavras
não mais nos separem
e
que prevaleça sempre
a
união ao nosso desacordo.
Não
amor
não se faz com palavras
eu
escuto um grito
insistente
marcado
em meu rosto
e
não falo
e
grito de mim
para
mim
toda
dor em meu peito
e
me calo.
Não
não
me dê a mão com palavras
deixe
haver sempre
essa
paz em nosso olhar
para
que nunca nos deixe
o
amor que temos em nossas mãos.
40
Já
fui alegre
eu
me lembro
e
quantas saudades ficaram daquele tempo
em
que eu não pensava
que
existe pensar no tempo
hoje
sou
que
às vezes tem
nascimento,
vida e morte
atados
a um só momento
hoje
eu sou
quem
trocou alegria
por
um sentimento muito vago
indefinido.
o
que ouço logo esqueço
o
que falo já foi dito.
fui
eu quem se desfez de mim
assim
por inteiro
fui
eu, eu sei
mas
não acredito.
41
Quero
andar calmamente
como
se tivesse esperança
quero
ser tão somente
o
que sou na lembrança
quero
ter o poder infinito
do
homem comum
e
reinar livremente
como
os mistérios do mar
sobre
a ciência da terra
e
morrer simplesmente
como
espuma das ondas
afundando
na areia
e
ficar para sempre
como
um rochedo qualquer
esquecido
e presente
quero
ser como gente.
42
e
continuo sendo contra
os
que pensam
que
o povo deve ser de César
sacrificar-se
por César
flagelar-se
por César.
César
tinha um império
um
exército e um filho
Brutus.
eu
tenho vergonha
uma
mulher e uma filha
Maria.
e
meu país não é Roma.
Aos tiraninhos de colônia.
43
MARIA
enquanto
eu estiver fora
sentirei
a sua lembrança
que
amarra meu pensamento
ao
inesquecível
o
tempo voa e foge
e
à noite
quando
eu voltar
o
tempo virá pousar em nós
até
você dormir.
44
Maria
você tanto me ama
que
dormindo assim em seu berço
eu
sinto que não mereço
tanto
amor que vem de você.
E
quando você chora
e
logo se cala Maria
será
que você desconfia
da
minha vontade de chorar ?
Mas
para você nunca saber
(pelo
menos por agora)
canto
e brinco com você
meu
sorriso de mentira
e
escondo na falsa alegria
no
vazio de minha agonia
tudo
que lhe quero dar e não tenho
no
quadro que não desenho
um
mundo feliz
que
se perdeu.
45
Amanheceu
velho
e sozinho
eu
era ainda criança.
Dependente
gente
prematura
simplesmente
velho e criança.
46
ARAGUAIA, ADEUS.
Repicam
sinos caprichosamente
à
luz difusa da pálida alvorada
bravo
sangue sorrateiramente
inunda
a lama úmida e apagada
da
bruma acesa o silêncio vaga
e
assoma o espaço, os campos de batalhas
pássaros
tangem trapos coloridos
e
vão tecer no alto ninhos de mortalhas.
ainda
ouço o eco de seu pisar vibrante
velhos
e jovens graves que por aqui passaram
romperam
a noite em facho como um rio aceso
pela
floresta escura onde se apagaram
para
mostrar que honra é um valor eterno
como
eterno é o medo dos que nunca lutaram.
47
AMARELO
DE FOME, VERDE DE MEDO.
(Mateus - 3,10.)
Soldados
são homens desarmados
homens
fardados
matando
pelo poder
para
os senhores dos fardados
não
são soldados
são
árvores letais
transplantadas
da terra
para
torrões de lama
são
o lixo que flutua
rio
abaixo
diante
da lama e do lixo
o
povo desunido
se
cala
de
fome e de medo
e
engole lama e lixo
mas
o silêncio
da
fome e do medo
não
haverá de estancar o tempo
que
muda o homem
da
água ao sal
como
o suor ao vento
e
o sal
é
o sinal dos tempos
já
o machado está posto
à
raiz das árvores.
48
Não
receberei comendas
de
oficiais barrigudos
nem
honrarei bandeira ultrajada
desfraldada
e recolhida
por
porteiros de quartéis.
Darei
medalhas
a
companheiros invencíveis
minha
mão
a
guerrilheiros mutilados
e
minha vida
em
troca do momento
que
unirá os operários
sob
a mesma bandeira.
49
RIO ARAGUAIA
Cada
pessoa deixa
por
onde passa
as
marcas da própria vida
nos
restos do que viveu.
dentro
da selva
deixei
um rio
no
espelho do rio
deixei
o céu
migalhas
de pão
sobre
uma pedra
e
a pedra molhada de mel.
50
PÃO E CIRCO
o
pão
não
nos dão
nós
fazemos
mas
não comemos
mas
temos circo
o
nosso circo
são
vocês
o
palhaço
(a
sua plateia)
somos
nós
porque
somos
os
eleitores de vocês.
Mas
circo
nós
não somos
o
nosso circo
são
vocês
e
nesse circo
de
reino ocupado
o
jogo é fazer lei
o
dono apita de fora
a
plateia sorri e chora
o
bobo da corte é o rei.
51
Hoje
meu velho
morreu
de fome
o
choro e a fome
se
espalharam pelo chão
as
estrelas de mentira
fizeram
uma constelação
quatro
estrelas de almanaque
três
estrelas de campanha
e
minha estrela
que
está sozinha
nesse
céu de papelão.
52
IPIAÚ - JEQUIÉ
Ipiaú
- Jequié
o
ônibus intermunicipal
corre
sobre a tira negra
esburacada
do
asfalto rodoviário
32
passageiros sentados
100
passageiros em pé.
adormeço
na cadeira 17
nos
solavancos
nos
aconchegos
nos
escarros
e
na tosse ininterrupta da mulher.
Sonho
levo
mensagem de convocação
aos
combatentes do sertão
o
vento e o sereno
atravessam
janelas abertas
e
nada mais
ao
longo dos cacaueiros floridos
lírios
e jasmins
dos
charcos
perfumam
o vento
nos
jardins dos senhores rurais.
Ipiaú
- Jequié
ônibus
de gente
que
teima com a vida
não
têm terra
não
têm morada
não
têm comida
mas
um dia
a
revolução chegará
e
chamará
os
que viajam sentados
os
que morrem calados
e
todos que vivem curvados
para
morrerem de pé.
53
NÚMEROS
Quatro
camisas de meia
sobre
cinco calções rasgados
catam
comida no lixo
no
pátio do supermercado
cinco
pares de pés
com
sete sandálias furadas
debaixo
de muita porrada
fogem
furando o cerco
de
oito terroristas armados
cinco
pivetes feridos
entram
no ônibus lotado
ficam
de parte “nas boca”
de
olho vidrado de cola
de
olho grudado no vidro
que
fecha a janela do fundo
e
bloqueia a porta de trás
cinco
de nossas crianças
de
olho na gente e na porta de trás.
54 DODÓ
Era
tão só
antes
de você
eu
nada tinha
agora
tenho
a noite
e
tenho a lua
dentro
dessa noite
que
é tão minha
mora
minha saudade
que
é tão sua.
55
DODOZINHA
Quando
você partiu
bem
longe do porto
senti
o cheiro
da
fumaça de seu navio
e
você sabia
que
sentindo o cheiro do mar
(o
meu cheiro)
no
sopro da maresia
você
me sentia.
56
Tenho
a
pureza da vida
no
meu corpo fechado
Trago
uma
fonte de amor
e
não sou encontrado
Quando
meu corpo
sensível
ao prazer
goza
eu
estremeço e me calo
A
minha alma
quando
tentada
cede
e
se suja de branco.
21.01 81.
57
vamos
andar
gastar
o tempo andando
e
trabalhar
vamos
andar
demora
tanto chegar
mas
ainda é tempo
vamos
seguir
nada
nos custa caminhar
vamos
seguir
e
ao morrer
vamos
saber
que
gastar o tempo
caminhando
e trabalhando por aqui
foi
viver.
58
O
que me prende aqui ?
o
que será essa força
que
me força
a
repetir a marcha ?
“Vós
não recebestes um espírito de escravos, para voltar a ter medo.”
(Rm. 8, 14)